quarta-feira, 15 de maio de 2013

ARTIGO -O abandono afetivo paterno-filial, o dever de indenizar - DECISÃO STJ

O abandono afetivo paterno-filial, o dever de indenizar e considerações acerca da decisão inédita do STJ


03/02/2013 Thatiane Miyuki Santos Hamada

RESUMO
Analisa, inicialmente, as atualizações do instituto da família, conceituando-a sob o ponto de vista do Direito de Família e da Psicanálise. Analisa os Princípios Constitucionais no Direito de Família, tais como o da Afetividade e o da Paternidade Responsável. Explica o abandono afetivo na filiação e suas consequências danosas, com o objetivo de fazer referência as suas principais causas – a violação do direito constitucional de dever de cuidado e de convivência familiar. Simultaneamente, analisa o voto da Ministra do STJ Nancy Andrighi em um caso concreto sobre o tema. Alguns de seus institutos serão estudados de maneira breve, para, posteriormente, enfocar no dever de indenizar ato ilícito causador de dano moral, bem como as explicar as funções e os elementos da indenização.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como escopo a análise da responsabilidade civil por abandono afetivo no âmbito familiar, particularmente na estrutura familiar restritíssima, a qual se compõe entre a relação de pais e filhos, e a análise da indenização como penalidade pela violação de dois direitos constitucionais da criança e do adolescente, o direito ao cuidado e à convivência familiar.
Analisar-se-á, simultaneamente, os argumentos utilizados no relatório e voto da Ilustríssima Ministra do STJ Nancy Andrighi do Recurso Especial nº. 1.159.242-SP, proferido em 24 de abril de 2012, acerca de um caso concreto, o qual resultou em uma decisão inédita e reabriu discussões.
Analisar-se-á, também, o instituto da família, conceituando-a sob o ponto de vista do Direito de Família e da Psicanálise. Observar-se-á o princípio da afetividade e da paternidade responsável, sobre o qual se baseia o dever de ser pai em concretude, não apenas no aspecto material, mas moral e, em especial, no afetivo.
Analisar-se-á, posteriormente, o abandono afetivo como consequência da violação dos direitos constitucionais de cuidado fundamental para formação da criança e do adolescente e da convivência familiar.
Explicar-se-á a responsabilidade civil subjetiva no Direito de Família, bem como sua devida aplicação no caso de abandono afetivo, devido a prática de atos ilícitos, tais como o não cumprimento do dever de cuidar e do dever de conviver.
Para tanto, abordar-se-ão os elementos caracterizadores da responsabilidade civil por abandono afetivo, o dano moral, a culpa e o nexo de causalidade, bem como as razões pelas quais a indenização é devida e atua como instrumento de penalidade, em face de pais que abandonam seus filhos afetivamente.
Complementarmente, analisar-se-á as funções da indenização, bem como suas funções e os elementos presentes para justificar a sua aplicação.
1. A FAMÍLIA ATUAL E PSICOJURÍDICA
A família “é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social” (GONÇALVES, 2009, p.01). Sendo assim, é a entidade base do Direito de Família, o qual está em constante transformação, devido às mudanças dessa realidade sociológica.
Dessa feita, torna-se possível analisar a família como um grupo complexo e distinto de qualquer outro, pois, dentro do Direito de Família Brasileiro, as mudanças ocorridas com o conceito desse instituto são de responsabilidade da doutrina e da jurisprudência, tendo em vista que essas adequam à norma jurídica (LUZ, 2008) essa realidade sociológica.
Perez (1987 apud NAZARETH, 201?, p. 20-21) afirma que a família é dividida em três grandes aspectos: o conjugal, o parental e o tutelar. Com isso, é possível perceber que esses campos fazem referências às funções do grupo familiar como um todo, tais como “a contenção, sustentação e preservação” do mesmo, em todos os momentos evolutivos da família, ou seja, o dever de prestar assistência e de convivência, em outras palavras é “cuidar da família como organização” (PEREZ, 1987 apud NAZARETH, 201?, p. 20-21).
Para Luiz Edson Fachin (1995 apud PEREIRA, R., 2002), tendo em vista o que se apreende da teoria psicanalítica, ser pai é uma função, a qual é mais que somente uma teoria, ela deve ser exercida, ou seja, “a função paterna, para além do genitor e do nome, que poderá oferecer, e que dará ao filho, biológico ou não, um lugar de sujeito” (PEREIRA, R., 2002).
2. O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
Antigamente, o vínculo familiar era limitado pelos laços sanguíneos entre seus membros, ou seja, somente pessoas da mesma linhagem de família eram consideradas pertencentes à mesma. Com as mutações naturais ocorridas na sociedade, passou-se a considerar também outros tipos de estruturas familiares, a adotiva e a laboratorial, as quais têm em comum o relacionamento paterno-filial baseado na afetividade e não no vínculo sanguíneo.
No entanto, a afetividade aqui será estudada sob o prisma da negligência, da omissão ou da ausência paterna afetiva, tendo em vista que “a missão constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não se limita a vertentes patrimoniais” (DIAS, M. 2007, p. 382). Diante da relação entre pais e filhos, o pensamento psicanalítico explora a figura do afeto nas relações humanas.
Sendo assim, mesmo não constando expressamente a palavra afeto no texto constitucional, não se pode negar que é direito fundamental, o qual decorre da Dignidade da Pessoa Humana e “deve ser entendido como o estado psíquico ou moral, afeição” (LEITE, 2010, p. 83).
Consequentemente, não devem os pais prestar apenas a assistência material ou jurídica, mas também psicológica e moral, compreendendo o desenvolvimento psíquico do infante, que também deve estar amparado pelos responsáveis (DIAS, B.; COSTA; 2006). Tal responsabilidade não é transmissível, delegável, à vista que o afeto, o amor, o carinho, a atenção de pai ou de mãe não é renunciável.
O art. 1634, incisos I e II do Código Civil (BRASIL, 2002) impõe que o dever dos pais não se restringe ao dever de sustento, ou seja, há a evidente obrigação de criá-los em sua companhia, dando-lhe educação, carinho e segurança.
A Ilustre Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº. 1.159.242-SP, em seu relatório e voto, menciona a importância do cumprimento dos deveres legais e afetivos dos pais em relação aos filhos:
[...] indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos [...], destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012).
Em outras palavras, o Princípio da Afetividade corresponde a um dever familiar, paterno-filial, porque sem afeto haverá prejuízos em relação à formação do indivíduo, seja psicológica ou social. Esse afeto entre pais e filhos deve ser emanado da convivência familiar, pois não consegue ser uma consequência biológica, tampouco econômica.
3. O PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL
A Constituição Federal incentiva a paternidade responsável e o planejamento familiar, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desses direitos.
Em seu art. 226, §7º (BRASIL, 1988), a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado “fundado no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável”, porém é necessário muito mais do Estado e da família para que um ser humano seja formado e educado de maneira saudável e integrado à vida social.
Maria Berenice Dias, com categoria, analisa que com a imensa evolução das ciências, principalmente da psicologia, a influência familiar se mostra essencial para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação e ainda:
Não mais se podendo ignorar essa realidade, passou-se a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é um direito do pai, mas direito do filho. Com isso, quem não detém a guarda tem o dever de conviver com ele. Não é direito de visitá-lo, é obrigação de visitá-lo (DIAS, M. 2007, p. 608). (grifo do original)
Sendo assim, ser pai não é ser somente legalmente responsável, mas sim também afetivamente. Ser pai é mais que alimentar o filho, é lhe prestar assistência, educação e principalmente presença e isso significa compromisso com o filho, com a sociedade e consigo próprio.
Segundo Silvio Rodrigues (apud GONÇALVES, 2009, p. 372), o poder familiar “é instituído no interesse dos filhos e da família, não em proveito dos genitores, em atenção ao princípio da paternidade responsável”, insculpido na Constituição Federal e atenta também ao art. 1.630 do Código Civil (BRASIL, 2002).
O instituto da paternidade não deve ser visto apenas como um direito, ele é direito-dever. Mais do que a convivência e cuidados, o ato de amor perante o filho deve estabelecer um vínculo de amizade, companheirismo, proteção e confiança. Além disso, deve proporcionar o desenvolvimento saudável, uma vez que a base psicológica de pertencimento da criança nasce de uma boa relação entre pais e filhos.
Sendo assim, “é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012).
4. O ABANDONO AFETIVO PATERNO-FILIAL COMO CONSEQUÊNCIA DA VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUIDAR E DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR
Existem três formas de abandono, o material, o intelectual e o afetivo.
O abandono material configura conduta ilícita. Conforme previsto no art. 244 (BRASIL, 1940) do Código Penal.
O abandono intelectual está tipificado também pelo Código Penal nos arts. 227 e 229 da Constituição Federal e no art. 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Dispõem que “se configurará sempre que os pais, sem justo motivo, deixarem de prover a instrução primária aos seus filhos” (BRASIL, 1990).
Já o abandono afetivo “pode ser configurado quando há um comportamento omisso, contraditório ou de ausência de quem deveria exercer a função afetiva na vida da criança ou do adolescente” (BASTOS; LUZ; 2008, p. 70). Está “previsto na Constituição Federal o dever dos pais em assegurar aos seus filhos o direito à dignidade e à convivência familiar, obrigação essa reproduzida nos arts. 4º e 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente” (BRASIL, 1990).
O dever de convivência, então, deriva do poder familiar, o qual é irrenunciável e indelegável, sendo que a entidade familiar “pressupõe laços de afetividade e ambiente harmonioso, propícios ao desenvolvimento sadio do menor, a fim de contribuir para sua formação digna” (SILVA, P. 2010).
Importante esclarecer que “aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012).
Assim, a negligência, uma das causas do abandono afetivo, “é caracterizada pela desatenção, pela ausência, pelo descaso, pela omissão ou, simplesmente, pela falta de amor” (GOMIDE apud ROSSOT, 2009, p. 12).
Examinada essa omissão no Recurso Especial, afirma a Ministra que:
Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte final do dispositivo citado (art. 227): “(...) além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência (...)”. Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012).
Desta feita, além de emanar cuidados da relação paterno-filial:
O que se deveria tutelar com a teoria do abandono afetivo é o dever legal de convivência. Não se trata aqui da convivência diária, física, já que muitos pais se separaram ou nem chegam a viver juntos, mas da efetiva participação na vida dos filhos, a fim de realmente exercer o dever legal do poder familiar (SILVA, P., 2010).
Nesse contexto, “conviver, trata-se de uma presença obtida sempre que se comunica em plano pessoal, que é basicamente afetivo, enriquecido com uma convivência mútua” (DASSI, 2006).
Sob a perspectiva substancial da convivência – Princípio da Convivência Familiar – que não é um dever jurídico direto do Estado e da Comunidade, pois “a esses cabe fomentar condições propícias ao amplo desenvolvimento da família permeada pela atenção, carinho e amor” (ROSSOT, 2009, p. 12).
Em suma: o Estado não pode exigir coercitivamente o cumprimento da “obrigação” de prover afeto. No entanto, a violação do direito de convivência familiar é conduta ilícita, conforme previsto em nossa legislação, bem como “o cuidado como tendo valor jurídico já foi, inclusive, incorporada em nosso ordenamento jurídico, não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012), ou seja, a violação desse direito também configura conduta ilícita. Logo, o abandono afetivo, irrefutável violação desses direitos, deve ser tipificado como conduta ilícita.
No caso concreto comentado, a ilustre Ministra Nancy Andrighi é categórica ao afirmar que:
O desvelo e atenção à prole não podem mais se tratadas como acessórios no processo de criação, porque, há muito, deixou de ser intuitivo que o cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, não é apenas um fatos importante, mas essencial à criação e formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica e seja capaz de conviver, em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012).
5. RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA
A responsabilidade civil, segundo Paulo Lôbo, é pluridimensional, em outras palavras, há as naturezas negativas e positivas, dentro das quais a responsabilidade “não se esgota as consequências dos atos do passado” (LÔBO, 2009, p. 13) e, o mais importante, “pela realização de atos que assegurem as condições de vida digna das atuais e futuras gerações” (LÔBO, 2009, p. 14), respectivamente.
Com base nessas considerações, pode-se definir responsabilidade civil como resultado “da ofensa ou da violação de direito, que redunda em dano ou prejuízo a outrem” (SILVA, D., 2008, p. 1225). Definição que, em sua estrutura, guarda a ideia de culpa (responsabilidade subjetiva) e a do risco, sem culpa (responsabilidade objetiva). Haverá, então, a garantia do dano ser reparado ou ao menos compensado.
O Direito de Família é bastante questionável quando se fala em incidência de responsabilidade civil, pois os defensores da paz familiar afirmam que não é permitida tal penalidade, já que não se fala no ato ilícito passível de responsabilidade dos arts. 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002).
Contudo, “não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no Direito de Família” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012). Ou seja, não há razões para que não seja aplicada a responsabilidade civil no âmbito familiar, já que nas relações familiares também é possível a configuração do dano material ou do moral.
A grande discussão da responsabilidade civil no Direito de Família é em relação à ordem moral do afeto, do amor. Sob o ponto de vista da filiação, na família contemporânea, a autoridade parental, deixou de ser “um conjunto de competências atribuídas ao pai, para converter-se em conjunto de deveres de ambos os pais no melhor interesse do filho, principalmente da convivência familiar” (LÔBO, 2009, p. 15). Ou seja, o poder familiar não se define pelo conjunto de competência dos genitores, mas sim pelos deveres a serem cumpridos e dos quais não podem fugir (LÔBO, 2009, p. 15).
Com isso:
[...] é dever de a família evitar negligências contra a criança e o adolescente. Deixar um filho em abandono é desrespeitar um ato disciplinado na Constituição Federal. Desse modo, pode-se dizer que o pai que não cumprir com seu dever está praticando ato ilícito (CANEZIN, 2006).
Proteger a família, atualmente, é proteger a própria dignidade humana, devendo o indivíduo abandonado afetivamente ser ressarcido. No entanto, o mero abandono, sem a presença do dano, não enseja em dever de indenizar, não é causa o suficiente.
Segundo Hironaka (2006, p. 568-582):
O que produzirá o liame necessário – nexo de causalidade essencial para a ocorrência da responsabilidade civil por abandono afetivo deverá ser a conseqüência nefasta e prejudicial que se produzirá na esfera subjetiva, íntima e moral do filho, pelo fato desse abandono perpetrado culposamente por seu pai, o que resultou em dano para a ordem psíquica daquele.
Sendo assim, a responsabilidade civil no Direito de Família é subjetiva:
[...] exigindo para sua configuração juízo de censura do agente capaz de entender a ilicitude de sua conduta. Enfim, exige-se comportamento culposo ou doloso, de tal sorte que só se pode pleitear ressarcimento, se comprovado que o chamado a indenizar agiu com culpa ou dolo (ALVES, 2004).
Para que se caracterize o dever de indenizar, deve haver, portanto, os elementos da responsabilidade civil subjetiva, ou seja, faz-se necessária a comprovação de dolo ou culpa do genitor pelo abandono afetivo. Surge, então, “a obrigação de indenizar para quem tem o dever legal de efetivar determinação constitucional” (COSTA, 2004).
6. O DEVER DE INDENIZAR, A FUNÇÃO E OS ELEMENTOS DA INDENIZAÇÃO
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana “gerou no sistema particular da responsabilidade civil, a sistemática extensão da tutela da pessoa da vítima, em detrimento do objetivo anterior de punição do responsável” (MORAES, 2006).
Embora haja no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da imunidade da responsabilidade civil nas relações familiares, não se pode deixar de notar que o Judiciário está rompendo com esse princípio – vê-se pelo Recurso Especial analisado neste artigo – tendo em vista várias decisões que admitem o arbitramento de pecúnia para ressarcir dano moral.
Há divergências sobre o fundamento do dever de indenizar. Existem doutrinadores que “consideram a indenização pecuniária uma forma de desestimular outros pais a abandonarem seus filhos afetivamente” (DASSI, 2006 apud DINIZ, 2009), outros que “defendem que a reparação teria o caráter de reparar o dano sofrido pelo filho, não podendo ter função punitiva” (MORAES, 2006), um terceiro grupo assevera que “a indenização deveria existir para pagar o tratamento psicológico daquele que sofreu o dano até a sua recuperação” (COSTA, 2004 apud DINIZ, 2009), já em um quarto argumento expõe-se que “a indenização teria o caráter compensatório, punitivo e dissuasório” (SANTOS, 2006 apud DINIZ, 2009).
Seguindo este último grupo, a negligência dos pais para com seus filhos é causadora de danos, às vezes irreparáveis. No entanto, deve-se ressarcir o dano causado não com o objetivo de obrigar o pai a cumprir com seus deveres, mas a atender as duas funções da indenização, além da compensatória, a punitiva e a dissuasória. Por isso, a indenização não tem o objetivo de “dar preço ao amor” ou “compensar a dor”.
Alguns doutrinadores defendem que a perda do pátrio poder é penalidade em caso de abandono afetivo, no entanto, não há coerência nesse pensamento. A MinistraNancy Andrighi afirma com categoria que:
A perda do pátrio poder não suprime, nem afasta a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012).
Assim, a maioria dos doutrinadores acredita que a negligência ou omissão no cumprimento dos deveres dos pais para com seus filhos, principalmente a violação do dever de convivência, é suficiente para ensejar indenização por dano moral.
A causa do dano moral pode ser por duas violações de direitos: o direito de o filho ser cuidado pelo pai ou mãe e do direito à convivência familiar.
Sobre o dever de cuidar:
[...] é fundamental para a formação do menor e do adolescente, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012).
Sobre a convivência familiar, “no Direito contemporâneo, esta se converteu em direito e dever fundamentais de intensa reciprocidade, no sentido de relação afetiva desimpedida, de contrato e de acesso” (LÔBO, 2009, p. 17), do direito do filho conviver com seus pais e dos pais conviverem com seu filho. Com isso, se houver violação desses direitos-deveres, sendo estes de obrigação de fazer, configura-se responsabilidade em sentido positivo (LÔBO, 2009, p. 17).
Quando não há convivência familiar, deixa-se de ser pai ou mãe afetivamente, violando princípios constitucionais, acarretando à formação infanto-juvenil danos de natureza psicológica, social, intelectual e de personalidade.
Busca-se, então, analisar os elementos clássicos da responsabilidade civil voltados para o dever de indenizar decorrente de abandono afetivo por violação do direito de convivência paterno-filial.
Nessas relações afetivas, faz-se indispensável a presença dos pais ou de um dele para a formação psicopedagoga da criança e do adolescente, com a ausência paterno-materna a formação do indivíduo se prejudica, causando danos irreparáveis à sua personalidade. Com isso, para estabelecer o dano moral indireto, é necessária a demonstração e comprovação do abandono e sua consequência danosa à pessoa.
Com isso, torna-se irrefutável a configuração do dano como elemento do dever de indenizar, necessitando, assim, de “comprovação da culpa do genitor não-guardião, que deve ter se ocultado à convivência com o filho, e deliberadamente se negado a participar do desenvolvimento de sua personalidade, de forma negligente ou imprudente” (HIRONAKA, 2006, p. 568-582).
Sobre a culpa, Caio Mário da Silva Pereira (1998, p. 69) a conceitua e sustenta que “um erro de conduta, cometido pelo agente que, procedendo contra direito, causa dano a outrem, sem a intenção de prejudicar, e sem a consciência de que seu comportamento poderia causá-lo”.
Neste contexto, a culpa em caso de abandono afetivo é omissiva, pois os pais não cumprem com os deveres impostos pelo poder família, ou seja, não prestam assistência imaterial aos filhos.
A respeito do nexo de causalidade, este elemento é imprescindível, pois estabelece relação com o evento danoso e a ação que o produziu e “será devidamente apurado em perícia psicológica”, no caso de abandono afetivo (MACIEL, 2011).
Para Hironaka (2006, p. 568-582), esse elemento é o que reside maior dificuldade para sua comprovação, pois é complexo demonstrar nexo causal entre o abandono culposo e o dano vivenciado pelo indivíduo.
Assim, cabe ao julgador ponderar – sem nunca deixar de negar efetividade à norma constitucional protetiva dos menores – as situações fáticas que tenha à disposição para seu escrutínio, sopesando, como ocorre em relação às necessidades materiais da prole, o binômio necessidade e possibilidade (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A família contemporânea, com o declínio do patriarcalismo, tornou-se um instituto de natureza afetiva, nas relações familiares o vínculo sanguíneo não é mais a sua principal característica, hoje, ele é secundário. Para a Psicanálise, a família é uma espécie de escola da vida, onde os indivíduos são criados, educados, para que se desenvolvam social, intelecto e psicologicamente.
Sendo assim, hoje a relação paterno-materna filial é carregada de deveres, os quais precisam ser cumpridos para que a criança e o adolescente se tornem adultos éticos e sociáveis. Os pais devem cuidar e propiciar aos seus filhos amor, carinho, atenção, ou seja, afeto, o qual deve estar presente em todos os campos de formação do indivíduo.
O dever dos pais não se restringe à natureza alimentar, ele abrange o direito de convivência familiar, o direito à educação e o provimento de subsistência dos filhos. No entanto, o abandono afetivo, grave descumprimento dos deveres dos pais, priva a criança e o adolescente do direito constitucional de convivência familiar e de cuidados fundamentais, de amparo afetivo, psicológico e, principalmente, afetivo, causando-lhe sérios danos.
Esses danos, em certos casos irreparáveis, devem ser ressarcidos, pois o pai não-guardião deve se conscientizar da má conduta na formação de sua prole. Com isso, faz-se necessária a reparação civil por abandono afetivo, a qual, no Direito de Família, é subjetiva, ou seja, necessita de comprovação da culpa ou dolo do agente causador.
A dor do abandono em si não é indenizável, mas sim a ausência do pai causada pela negligência de afeto e pela não convivência, ou seja, o genitor que descumpre o dever de convivência, consequentemente, abandona seu filho e desrespeita mandamento constitucional, praticando conduta ilícita.
Desta maneira, proteger o instituto da convivência e dos cuidados paterno-filial é proteger a própria dignidade humana, respeitando a afetividade e assegurando que através da indenização o autor do abandono afetivo não ficará impune, pois se não se pode obrigar um pai a amar seu próprio filho, pelo menos é possível condená-lo à reparação civil pelo descumprimento de seus deveres intrínsecos à paternidade e por violarem dispositivo constitucional, agindo, assim, ilicitamente.
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