quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Configuração de união estável como entidade familiar

12/03/2015 – DECISÃO do STJ
Convivência com expectativa de formar família no futuro não configura união estável
Para que um relacionamento amoroso se caracterize como união estável, não basta ser duradouro e público, ainda que o casal venha, circunstancialmente, a habitar a mesma residência; é fundamental, para essa caracterização, que haja um elemento subjetivo: a vontade ou o compromisso pessoal e mútuo de constituir família.
Seguindo esse entendimento exposto pelo relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um homem que sustentava ter sido namoro – e não união estável – o período de mais de dois anos de relacionamento que antecedeu o casamento entre ele e a ex-mulher. Ela reivindicava a metade de apartamento adquirido pelo então namorado antes de se casarem.
Depois de perder em primeira instância, o ex-marido interpôs recurso de apelação, que foi acolhido por maioria no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Como o julgamento da apelação não foi unânime, a ex-mulher interpôs embargos infringentes e obteve direito a um terço do apartamento, em vez da metade, como queria. Inconformado, o homem recorreu ao STJ.
No exterior
Quando namoravam, ele aceitou oferta de trabalho e mudou-se para o exterior. Meses depois, em janeiro de 2004, tendo concluído curso superior e desejando estudar língua inglesa, a namorada o seguiu e foi morar com ele no mesmo imóvel. Ela acabou permanecendo mais tempo do que o previsto no exterior, pois também cursou mestrado na sua área de atuação profissional.
Em outubro de 2004, ainda no exterior – onde permaneceram até agosto do ano seguinte –, ficaram noivos. Ele comprou, com dinheiro próprio, um apartamento no Brasil, para servir de residência a ambos. Em setembro de 2006, casaram-se em comunhão parcial  – regime em que somente há partilha dos bens adquiridos por esforço comum e durante o matrimônio. Dois anos mais tarde, veio o divórcio.
A mulher, alegando que o período entre sua ida para o exterior, em janeiro de 2004, e o casamento, em setembro de 2006, foi de união estável, e não apenas de namoro, requereu na Justiça, além do reconhecimento daquela união, a divisão do apartamento adquirido pelo então namorado, tendo saído vitoriosa em primeira instância. Queria, ainda, que o réu pagasse aluguel pelo uso exclusivo do imóvel desde o divórcio – o que foi julgado improcedente.
Núcleo familiar
Ao contrário da corte estadual, o ministro Bellizze concluiu que não houve união estável, “mas sim namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro e não para o presente –, o propósito de constituir entidade familiar”. De acordo com o ministro, a formação do núcleo familiar – em que há o “compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material” tem de ser concretizada, não somente planejada, para que se configure a união estável.
“Tampouco a coabitação evidencia a constituição de união estável, visto que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, por estudo), foram, em momentos distintos, para o exterior e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente”, afirmou o ministro no voto.
Por fim, o relator considerou que, caso os dois entendessem ter vivido em união estável naquele período anterior, teriam escolhido outro regime de casamento, que abarcasse o único imóvel de que o casal dispunha, ou mesmo convertido em casamento a alegada união estável.

Namoro não tem previsão jurídica. Fazer um contrato de namoro para se sentir seguro em relação ao patrimônio caso haja rompimento, não tem garantia. Pois será nulo se estiverem presentes as características identificadoras de união estável.
..........................................................................................................................
O que distingue esses dois institutos é o animus família. Existem namoros longos que nunca se transformaram em entidade familiar e relacionamentos curtos que logo se caracterizam como união estável. O mesmo se diga com relação à presença de filhos, que pode se dar tanto no namoro quanto na união estável.
O namoro, por si só, não tem consequências jurídicas. Não acarreta, partilha de bens ou qualquer aplicação de regime de bens, fixação de alimentos ou direito sucessório. Se um casal de namorados adquire juntos um veículo, por exemplo, com o fim do relacionamento este bem poderá ser dividido, se não houver contrato escrito entre eles, de acordo com as regras do direito obrigacional. Neste sentido, pode-se dizer, então, que é possível haver uma “sociedade de fato” dentro de um namoro, sem que isto caracterize uma entidade familiar. Assim, por não se tratar de entidade familiar, as questões jurídicas concernentes ao namoro, como danos causados à pessoa, são discutidas no campo do direito comercial ou obrigacional.
O namoro não tem prazo de validade. Conheço casal que namorou mais de 50 anos. Faz parte do exercício da autonomia privada optar por esta maneira de se relacionar e, da mesma forma, escolher não prosseguir, não constituindo o fim do namoro, por si só, uma ofensa a direito alheio ou configuração de ato ilícito.
Ao Direito de Família interessa delinear um conceito de namoro para distingui-lo da união estável. Antes, se o casal não mantinha relação sexual eram apenas namorados, e se mantinham já se podia dizer que eram “amigados” ou “amasiados”. Hoje é comum, natural e saudável que casais de namorados mantenham relacionamento sexual, sem que isto signifique nada além de um namoro, e sem nenhuma consequência jurídica. Assim, o conteúdo sexual de uma relação amorosa que até pouco tempo era caracterizador de um instituto ou outro, não é mais determinante ou definidor deste ou daquele instituto. E, para confundir ainda mais, namorados às vezes têm filhos, em geral sem planejar, o que por si só não descaracteriza o namoro e o eleva à categoria de união estável.
Nestas relações vê-se também uma grande diferença entre a forma de se ver ou nomear tal relação. É muito comum os homens enxergarem ou entenderem que se trata apenas de um namoro, enquanto as mulheres, talvez por serem mais comprometidas com o amor, veem como união estável. Esse ângulo de visão diferente, somado à falta de um delineamento mais preciso sobre o namoro e união estável, tem levado os restos deste amor às barras dos tribunais, para que o juiz diga se é uma coisa ou outra. Estas demandas aumentaram principalmente após o advento da Lei 9.278/1996, que acertadamente abriu o conceito de união estável, isto é, retirou o prazo de cinco anos estabelecido na Lei 8.971/1994.
Namorados podem até mesmo morar juntos, sem que isto caracterize uma união estável, pois há situações em que eles residem sob o mesmo teto, “dividem o apartamento” por questão de economia, como bem decidiu o STJ: "Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. (STJ, REsp 1454643 / RJ, Rel Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, pub. 10/03/2015)"
Alguns casais, especialmente aqueles que já constituíram outra família anteriormente, para evitar futuros aborrecimentos ou demandas judiciais em razão da confusão desses dois conceitos, têm feito um contrato de namoro, ou uma “declaração de namoro”, dizendo que a relação entre as partes é apenas um namoro e que não têm intenção ou objetivo de constituírem uma família. E, se a realidade da vida descaracterizar o namoro, elevando-o ao status de união estável, fica desde já assegurado naquele contrato, ou declaração, qual será o regime de bens entre eles. Embora o contrato de namoro possa parecer o anti-namoro, muitos casais, em busca de uma segurança jurídica, e para evitar que a relação equivocadamente seja tida como união estável, desviando assim o animus dos namorados, têm optado por imprimir esta formalidade à relação. Apesar da polêmica em torno da validade e eficácia jurídica deste tipo de contrato, ele pode ser um bom instrumento jurídico para ajudar os casais a namorarem em paz. Autor: Rodrigo da Cunha Pereira.
........................................................................................................................
concubinato compartilhar o leito”, união estável compartilhar a vida
Para configurar a união estável como entidade familiar, devem estar presentes, na relação afetiva, os seguintes requisitos: arts. 1.723 e 1.724 do CC/02
1.      dualidade de sexos;
2.      publicidade;
3.      continuidade;
4.      durabilidade;
5.      objetivo de constituição de família;
6.      ausência de impedimentos para o casamento, ressalvadas as hipóteses de separação de fato ou judicial;
7.      Observância dos deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como de guarda, sustento e educação dos filhos.
A análise dos requisitos ínsitos à união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, a fidelidade, entre outros.

A continuidade da relação, sob a roupagem de união estável, não se enquadra nos moldes da norma civil vigente art. 1.724 do CC/02, porquanto esse relacionamento encontra obstáculo intransponível no dever de lealdade a ser observado entre os companheiros.

- O dever de lealdade implica franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade. Numa relação afetiva entre homem e mulher, necessariamente monogâmica, constitutiva de família, além de um dever jurídico, a fidelidade é requisito natural (Veloso,Zeno apud Ponzoni, Laura de Toledo. Famílias simultâneas: união estável e concubinato. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=461. Acesso em abril de 2010).
Nesse sentido, segundo Laura Ponzoni, não pode haver respeito e consideração mútuos, no contexto afetivo de um projeto de vida em comum, sem fidelidade e exclusividade (op. cit. ).

- Uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade que integra o conceito de lealdade para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade de seus integrantes.

Destacam os professores que a boa-fé deve guiar também as relações afetivas, de modo que a aplicação do art. 1.727 do CC/02 ficaria adstrita às situações dissociadas de afeto ou da intenção de conviver como família. Para tanto, asseveram a necessidade de demonstração da estabilidade de convivência, sua publicidade e afetividade.

- As uniões afetivas plúrimas, múltiplas, simultâneas e paralelas têm ornado o cenário fático dos processos de família, com os mais inusitados arranjos, entre eles, aqueles em que um sujeito direciona seu afeto para um, dois, ou mais outros sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes, muitas vezes colidentes em seus interesses.

- Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade.

Emprestar aos novos arranjos familiares, de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à união estável implicaria julgar contra o que dispõe a lei. Isso porque o art1.727 do CC/02 regulou, em sua esfera de abrangência, as relações afetivas não eventuais em que se fazem presentes impedimentos para casar, de forma que só podem constituir concubinato os relacionamentos paralelos a casamento ou união estável pré e coexistente.

UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇAO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato.
No referido julgado, o i. Ministro Março Aurélio assinalou que o concubinato não merece proteção do Estado por conflitar com o direito posto. A relação, para o i. Ministro, não se iguala à união estável que é reconhecida constitucionalmente e apenas gera, quando muito, a denominada sociedade de fato, no que foi acompanhado pelos i. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito ( in memorian ), Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, este último que assinalou significar a palavra concubinato, do latim concubere compartilhar o leito”, enquanto que a união estável significa compartilhar a vida 

Não se pode compreender como entidade familiar uma relação em que não se denota posse do estado de casado, comunhão de esforços, solidariedade, lealdade (conceito que abrange "franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade"ut REsp 1157273/RN, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe07/06/2010), além do exíguo tempo, o qual também não se pode reputar de duradouro, tampouco, de contínuo ;

Na verdade, ainda que a habitação comum revele um indício caracterizador da affectio maritalis , sua ausência ou presença não consubstancia fator decisivo ao reconhecimento da citada entidade familiar, devendo encontrar-se presentes, necessariamente, outros relevantes elementos que denotem o imprescindível intuito de constituir uma família;

De plano, consigna-se que, nos termos do 1.793 do Código Civilpara a configuração da união estável, a relação deve apresentar-se duradoura, contínua e pública, partilhando os conviventes de vida comum finalidade consistente na intenção de formar uma entidade familiar - affectio maritalis animus uxoris -(exteriorizada pela comunhão de esforços; pela assistência; pela posse do estado de casado; pela lealdade, respeito mútuos; pela guarda, sustento e educação dos filhos, entre outros).

A relação mantida entre a ora recorrente, F. F. e o de cujus, L., no período em que mantiveram relacionamento afetivo, não ensejou a constituição de entidade familiar, na modalidade união estável. Não consubstanciou entidade familiar, na modalidade união estável, não ultrapassando, na verdade, do estágio de namoro, que se estreitou, tão-somente, em razão da doença que acometeu L.
Além de inexistir entre eles coabitação (sendo certo, inclusive, que L. morava na companhia de seu irmão e de mais três amigos, numa espécie de "República", própria da idade), desfrutavam de um relacionamento "aberto", sem compromissotanto que tinham, cada qual, paralelamente, outros relacionamentos, faziam viagens que não compartilhavam entre si, sequer quanto à finalidade destas, etc.
Por outro lado, afirmou que quase sempre que entrava nos Estados Unidos da América, declarava na Alfândega como seu endereço, a residência da irmã, realizando a mesma declaração quando da licença para dirigir (vide fls. 1140). Destacou que Leandro, ia, às vezes, a Ilhas do Caribe, sozinho ou acompanhado do pai, mas não sabe para onde o mesmo ia (vide fls. 1140). Afirmou que sabia da existência de outras namoradas de Leandro (vide fls. 1140). Por fim, declarou não saber se Leandro em 1998 tinha outra namorada, não reconhecendo a mulher da foto de fls. 763. [...] Tal situação foi confirmada pela testemunha Paulo (fls. 1195/1197) [...]

O que se tem é que a autora e o falecido Leandro eram sim namorados, mas com condutas próprias e características de pessoas descompromissadas na flor dos vinte e cinco anos de idade e sem qualquer intenção de constituir família

O que a prova revela induvidosamente, em seu conjunto e no próprio depoimento da autora, é que o modo como viviam em Miami não indicava nem início de união estável, mas de um namoro que não impedia a Leandro, com o conhecimento da autora, outras viagens e outros relacionamentos, furtivos ou não, que eram sempre realizados em avião da própria família. A prova testemunhal e documental em seu conjunto harmônico não deixa dúvida de que, por incompatível, nada no relacionamento permitia supor uma relação destinada à constituição de família e com características próprias de quem vive como se casado fosse. [...]". (fls. 1735/1737).

Não se infere do comportamento destes, tal como delineado, qualquer projeção no meio social de que a relação por eles vivida conservava contornos (sequer resquícios, na verdade), de uma entidade familiar. Não se pode compreender como entidade familiar uma relação em que não se denota posse do estado de casado, qualquer comunhão de esforços, solidariedade, lealdade (conceito que abrange "franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade" ut REsp 1.157.273/RN, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 07/06/2010), além do exíguo tempo, o qual também não se pode reputar de duradouro, tampouco, de contínuo.

"[...] É verdade, e nova correção do digno Magistrado sentenciante ao separar os dois momentos distintos da relação havida entre L. e F., que o namora reconhecido pelas circunstâncias já descritas sofreu modificação significativa a partir do momento em que se descobriu nele o câncer que vira a tirar-lhe a vida em menos de um ano e meio. A partir desse triste fato, é forçoso convir, o namoro, que até poderia terminar por força do longo tratamento a que L. se submeteria no Brasil, acabou se estreitando com o louvável acompanhamento de F., inclusive com aceitação da família que a acolheu com carinho pela sua demonstração de afeto ao filho gravemente doente e com pouca ou nenhuma chance de sobrevivência. A análise que se faz da prova não permite supor que a autora fosse enfermeira ou acompanhante. Não, a prova mostra com segurança que continuou sendo a namorada de L., e que, acolhida pela família dele em virtude da dedicação demonstrada, participou praticamente de todo o tratamento até que sobreveio a morte. A prova não revela união estável que já não existia anteriormente à doença, mas a aceitação da família a que a namorada dedicada participasse da luta que se travou no combate ao câncer mortal que, em ano e meio, ceifou a vida de L. aos 27 anos de idade. O que não se poderia, nem se pode, pela simples e boa razão de que a prova em seu conjunto não o permite, é considerar que o namoro de ambos, iniciado antes do conhecimento da doença, em Miami, pudesse, a partir, da doença e da dedicação da autora, se transformar em união estável. De tudo quanto se logrou comprovar nos nove volumes que formam este processo é inevitável concluir que, antes da doença de Leandro, houve um namoro sem qualquer intuito de constituição de família, o qual, apesar de prosseguir até de forma mais estreita durante todo o tratamento da doença e até a sua morte, inclusive com o conhecimento e a aprovação da família, continuou sendo um namoro, mas sem que se transformasse numa união estável que nunca existiu. Não se saberá nunca se seria diferente e se o namoro se transformaria em união estável ou casamento caso L. não tivesse morrido. Mas se sabe, com a certeza que emana da prova e do comportamento dele no ano que durou o tratamento até sua morte, que não teve nenhuma intenção de transformar a namorada em sua mulher ou companheira. Era livre, estava lúcido e sabia que dificilmente escaparia da morte. Poderia ter-se casada formalmente com a autora, ou declarado expressamente a união estável que a autora agora persegue judicialmente, bem como poderia ter feito um testamento para incluí-la na herança de seus bens. Nada disso fez apesar da dedicação e do carinho demonstrados pela namorada durante a sua doença, a revelar, indubitavelmente, que não pretendeu transformar o namoro em qualquer tipo de entidade familiar assemelhado ao casamento ou à verdadeira união estável. [...]. Nem a união estável se chega, no caso, pela natural colheita de sêmen de L. Antes de tudo, se o objetivo fosse a utilização na autora nada impedia, antes recomendava, que isso fosse declarado expressamente para evitar dúvida. Além disso, o que houve mesmo foi a comum colheita de sêmen destinada ao uso futuro em caso de sobrevivência, sabido que é da infertilidade que em regra ocorre a todos que se submetem ao tratamento quimioterápico. Dessa atitude inerente a todos que se tratam com quimioterapia não se pode tirar a ilação de que a pretensão estava vinculada a ter um filho com a autora, sobrevivendo ou não, menos ainda quando não há manifestação de vontade e a prova oral afasta qualquer ligação do fato com o relacionamento que mantinha com a namorada. E não é porque a mãe de L. acompanhou a autora no Dr. Roger, ginecologista, que se pode tirar a conclusão de que a colheita do sêmen se deu para a autora e isso porque fosse sua companheira. Enfim, nem antes da doença, nem depois, houve união estável entre L. e F."(fls. 1732/1742).

De acordo com a moldura fática assim delineada pelas Instâncias ordinárias, é de se reconhecer a inviabilidade de se qualificar a relação vivida entre a ora recorrente, F. F., e L., de união estável.
Como é de sabença, nos termos do artigo  da Lei n. 9.278/96, não constitui requisito legal, para a configuração da união estável, a presença de coabitação entre os companheiros. Na verdade, ainda que a habitação comum revele um indício caracterizador da affectio maritalis , sua ausência ou presença não consubstancia fator decisivo ao reconhecimento da citada entidade familiar, devendo encontrar-se presentes, necessariamente, outros relevantes elementos que denotem o imprescindível intuito de constituir uma família.

Na hipótese dos autos, a coabitação, reconhecida nesse segundo momento da relação vivida entre a ora recorrente e L. (final de 1999 e julho de 2001), deu-se no imóvel e na companhia do pai de L. (viabilizada, tão-somente, pela privilegiada situação financeira deste), tendo por objetivo exclusivo, é certo, propiciar melhores condições (emocionais) para o tratamento de L.
Efetivamente, a dedicação e a solidariedade prestadas pela ora recorrente ao namorado L., ponto incontroverso nos autos, por si só, não tem o condão de transmudar a relação de namoro para a de união estável, assim compreendida como unidade familiar. Revela-se imprescindível, para tanto, a presença inequívoca do intuito de constituir uma família, de ambas as partes, desiderato, contudo, que não se infere das condutas e dos comportamentos exteriorizados por L., bem como pela própria recorrente, devidamente delineados pelas Instâncias ordinárias.
1. A união estável tratada na Constituição Federal, bem como na legislação infraconstitucional, não é qualquer união com certa duração existente entre duas pessoas, mas somente aquela com a finalidade de constituir família. Trata-se de união qualificada por estabilidade e propósito familiar, decorrente de mútua vontade dos conviventes, demonstrada por atitudes e comportamentos que se exteriorizam, com projeção no meio social.
2. Na hipótese, a Corte de origem negou o pedido de reconhecimento de união estável por entender que, de acordo com as provas dos autos, não estava configurada, pois ausentes, dentre outros requisitos, a intenção de constituir família, a fidelidade, bem como a coabitação.
Como assinalado, a dedicação e a solidariedade prestada pela recorrente à L., por si só, não converte a relação de namoro por eles encampada em união estável. Sequer rendem ensejo a qualquer reparação, notadamente porque o desvelo com que acompanhou L. em seu tratamento deu-se, conforme alegado, de forma espontânea, desinteressada e generosa. Ainda assim, teve, por parte da família de L., o reconhecimento, não menos generoso, de seu valoroso proceder.
REsp 1.257.819 / SP JULGADO: 01/12/2011 RECURSO ESPECIAL Nº 1.257.819 - SP (2011/0097589-1)


Nenhum comentário:

Postar um comentário