12/03/2015
– DECISÃO do STJ
Convivência com expectativa de formar família no futuro não
configura união estável
Para que um relacionamento amoroso se
caracterize como união estável, não basta ser duradouro e público, ainda que o
casal venha, circunstancialmente, a habitar a mesma residência; é fundamental,
para essa caracterização, que haja um elemento subjetivo: a vontade ou o
compromisso pessoal e mútuo de constituir família.
Seguindo esse entendimento exposto
pelo relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu
provimento ao recurso de um homem que sustentava ter sido namoro – e não união
estável – o período de mais de dois anos de relacionamento que antecedeu o
casamento entre ele e a ex-mulher. Ela reivindicava a metade de apartamento adquirido pelo
então namorado antes de se casarem.
Depois de perder em primeira
instância, o ex-marido interpôs recurso de apelação, que foi acolhido por
maioria no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Como o julgamento da apelação não foi
unânime, a ex-mulher interpôs embargos infringentes e obteve direito a um terço
do apartamento, em vez da metade, como queria. Inconformado, o homem recorreu ao
STJ.
No
exterior
Quando namoravam, ele aceitou oferta
de trabalho e mudou-se para o exterior. Meses depois, em janeiro de 2004, tendo
concluído curso superior e desejando estudar língua inglesa, a namorada o
seguiu e foi morar com ele no mesmo imóvel. Ela acabou permanecendo mais tempo
do que o previsto no exterior, pois também cursou mestrado na sua área de
atuação profissional.
Em outubro de 2004, ainda no exterior
– onde permaneceram até agosto do ano seguinte –, ficaram noivos. Ele comprou, com
dinheiro próprio, um apartamento no Brasil, para servir de residência a ambos.
Em setembro
de 2006, casaram-se em comunhão parcial – regime em que
somente há partilha dos bens adquiridos por esforço comum e durante o
matrimônio. Dois anos mais tarde, veio o divórcio.
A
mulher, alegando que o período entre sua ida para o exterior, em janeiro de
2004, e o casamento, em setembro de 2006, foi de união estável, e não apenas de
namoro,
requereu na Justiça, além do reconhecimento daquela união, a divisão do apartamento adquirido pelo então namorado, tendo saído
vitoriosa em primeira instância. Queria, ainda, que o réu pagasse aluguel pelo
uso exclusivo do imóvel desde o divórcio – o que foi julgado improcedente.
Núcleo
familiar
Ao contrário da corte estadual, o
ministro Bellizze concluiu que não houve união estável, “mas sim namoro
qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento,
projetaram, para o futuro –
e não para o
presente –, o propósito de constituir entidade familiar”. De acordo com
o ministro, a formação do núcleo familiar – em que há o “compartilhamento de
vidas, com irrestrito apoio moral e material” – tem de ser concretizada, não somente planejada, para
que se configure a união estável.
“Tampouco a coabitação evidencia a
constituição de união estável, visto que as partes, por contingências e
interesses particulares (ele, a trabalho; ela, por estudo), foram, em momentos
distintos, para o exterior e, como namorados que eram, não hesitaram em residir
conjuntamente”, afirmou o ministro no voto.
Por fim, o relator considerou que,
caso os dois entendessem ter vivido em união estável naquele período anterior,
teriam escolhido outro regime de casamento, que abarcasse o único imóvel de que
o casal dispunha, ou mesmo convertido em casamento a alegada união estável.
Namoro não tem previsão jurídica. Fazer
um contrato de namoro para se sentir seguro em relação ao patrimônio caso haja
rompimento, não tem garantia. Pois será nulo se estiverem presentes as características
identificadoras de união estável.
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O que distingue esses dois institutos
é o animus família.
Existem namoros longos que nunca se transformaram em entidade familiar e
relacionamentos curtos que logo se caracterizam como união estável. O mesmo se
diga com relação à presença de filhos, que pode se dar tanto no namoro quanto
na união estável.
O namoro, por si só, não tem
consequências jurídicas.
Não acarreta, partilha de bens ou qualquer aplicação de regime de bens, fixação
de alimentos ou direito sucessório. Se um casal de namorados adquire juntos um
veículo, por exemplo, com o fim do relacionamento este bem poderá ser dividido,
se não houver contrato escrito entre eles, de
acordo com as regras do direito obrigacional. Neste sentido, pode-se dizer,
então, que é possível haver uma “sociedade de fato” dentro de um namoro, sem
que isto caracterize uma entidade familiar. Assim, por não se tratar de
entidade familiar, as questões jurídicas concernentes ao namoro, como danos
causados à pessoa, são discutidas
no campo do direito comercial ou obrigacional.
O namoro não tem prazo de validade.
Conheço casal que namorou mais de 50 anos. Faz parte do exercício da autonomia
privada optar por esta maneira de se relacionar e, da mesma forma, escolher não
prosseguir, não constituindo o fim do namoro, por si só, uma ofensa a direito
alheio ou configuração de ato ilícito.
Ao
Direito de Família interessa delinear um conceito de namoro para distingui-lo
da união estável.
Antes, se o casal não mantinha relação sexual eram apenas namorados, e se
mantinham já se podia dizer que eram “amigados” ou “amasiados”. Hoje é comum,
natural e saudável que casais de namorados mantenham relacionamento sexual, sem
que isto signifique nada além de um namoro, e sem nenhuma consequência
jurídica. Assim, o conteúdo sexual de uma relação amorosa que até pouco tempo
era caracterizador de um instituto ou outro, não é mais determinante ou
definidor deste ou daquele instituto. E, para confundir ainda mais, namorados
às vezes têm filhos, em geral sem planejar, o que por si só não descaracteriza
o namoro e o eleva à categoria de união estável.
Nestas relações vê-se também uma
grande diferença entre a forma de se ver ou nomear tal relação. É muito comum os
homens enxergarem ou entenderem que se trata apenas de um namoro, enquanto as
mulheres, talvez por serem mais comprometidas com o amor, veem como união
estável. Esse ângulo de visão
diferente, somado à falta de um delineamento mais preciso sobre o namoro e
união estável, tem levado os restos deste amor às barras dos tribunais, para
que o juiz diga se é uma coisa ou outra. Estas demandas aumentaram
principalmente após o advento da Lei 9.278/1996, que acertadamente abriu o
conceito de união estável, isto é, retirou o prazo de cinco anos estabelecido
na Lei 8.971/1994.
Namorados podem até mesmo morar juntos, sem que isto caracterize
uma união estável,
pois há situações em que eles residem sob o mesmo teto, “dividem o apartamento”
por questão de economia, como bem decidiu o STJ: "Este comportamento, é
certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito,
longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. (STJ, REsp
1454643 / RJ, Rel Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, pub. 10/03/2015)"
Alguns casais, especialmente aqueles
que já constituíram outra família anteriormente, para evitar futuros
aborrecimentos ou demandas judiciais em razão da confusão desses dois
conceitos, têm feito um contrato de namoro, ou uma “declaração de namoro”,
dizendo que a relação entre as partes é apenas um namoro e que não têm intenção
ou objetivo de constituírem uma família. E, se a realidade da vida
descaracterizar o namoro, elevando-o ao status de união estável, fica
desde já assegurado naquele contrato, ou declaração, qual será o regime de bens
entre eles. Embora o contrato de namoro possa parecer o anti-namoro, muitos
casais, em busca de uma segurança jurídica, e para evitar que a relação
equivocadamente seja tida como união estável, desviando assim o animus dos
namorados, têm optado por imprimir esta formalidade à relação. Apesar da
polêmica em torno da validade e eficácia jurídica deste tipo de contrato, ele
pode ser um bom instrumento jurídico para ajudar os casais a namorarem em paz.
Autor: Rodrigo da Cunha Pereira.
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concubinato “compartilhar o leito”, união estável “compartilhar a
vida
Para configurar a união estável como entidade
familiar, devem estar presentes, na relação afetiva, os seguintes
requisitos: arts. 1.723 e 1.724 do CC/02
1. dualidade de sexos;
2. publicidade;
3. continuidade;
4. durabilidade;
5. objetivo de constituição de família;
6. ausência de impedimentos para
o casamento, ressalvadas as hipóteses de separação de fato
ou judicial;
7.
Observância
dos deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como de guarda,
sustento e educação dos filhos.
A análise
dos requisitos ínsitos à união estável deve centrar-se na conjunção de
fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a
posse do estado de casado, a continuidade da união, a fidelidade, entre
outros.
A
continuidade da relação, sob a roupagem de união estável, não se enquadra
nos moldes da norma civil vigente art. 1.724 do CC/02, porquanto esse relacionamento encontra obstáculo
intransponível no dever de lealdade a ser observado entre os companheiros.
- O dever de lealdade “implica
franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade. Numa relação afetiva entre homem e mulher,
necessariamente monogâmica, constitutiva de família, além de um dever jurídico, a fidelidade é requisito natural” (Veloso,Zeno apud Ponzoni, Laura de Toledo. Famílias simultâneas: união
estável e concubinato. Disponível
em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=461. Acesso em abril
de 2010).
Nesse sentido, segundo Laura
Ponzoni, “não pode haver respeito e consideração mútuos, no contexto afetivo de um projeto de vida em comum, sem fidelidade e exclusividade” (op. cit. ).
- Uma sociedade que apresenta como elemento
estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade que integra
o conceito de lealdade para o fim de inserir no âmbito do Direito
de Família relações afetivas paralelas e, por consequência,
desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como
escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca
da felicidade de seus integrantes.
Destacam
os professores que a boa-fé deve guiar também as relações afetivas, de modo que a aplicação do
art. 1.727 do CC/02 ficaria adstrita às situações dissociadas de afeto ou da
intenção de conviver como família. Para tanto, asseveram a necessidade
de demonstração da estabilidade de convivência, sua publicidade
e afetividade.
- As uniões
afetivas plúrimas, múltiplas, simultâneas e paralelas têm ornado o cenário fático dos
processos de família, com os mais inusitados arranjos, entre eles, aqueles
em que um sujeito direciona seu afeto para um, dois, ou mais outros
sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes, muitas vezes
colidentes em seus interesses.
- Ao analisar as
lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às
peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir
com base na dignidade da pessoa
humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na
liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado
da monogamia, com os pés fincados no princípio da
eticidade.
Emprestar
aos novos arranjos familiares, de uma
forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à união estável implicaria
julgar contra o que dispõe a lei. Isso
porque o art. 1.727 do CC/02 regulou, em sua esfera de abrangência,
as relações afetivas não eventuais em que se fazem presentes impedimentos
para casar, de forma que só podem constituir concubinato os
relacionamentos paralelos a casamento ou união estável pré e coexistente.
UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇAO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança
apenas as situações legítimas e nestas não está
incluído o concubinato.”
No
referido julgado, o i. Ministro Março Aurélio assinalou que o concubinato não merece
proteção do Estado por conflitar com o direito posto. A
relação, para o i. Ministro, não se iguala à união estável que é
reconhecida constitucionalmente e apenas gera, quando muito, a denominada
sociedade de fato, no que foi acompanhado pelos i. Ministros Carlos
Alberto Menezes Direito ( in
memorian ), Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, este último
que assinalou significar a palavra concubinato, do
latim concubere , “compartilhar o leito”, enquanto
que a união
estável significa “compartilhar a
vida”
Não se pode compreender como entidade familiar uma relação em que
não se denota posse do estado de casado, comunhão de esforços, solidariedade, lealdade (conceito que abrange "franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem
dúvida, fidelidade", ut REsp 1157273/RN,
Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe07/06/2010), além do exíguo tempo, o qual
também não se pode reputar de duradouro, tampouco, de contínuo ;
Na verdade,
ainda que a habitação comum revele um indício caracterizador da affectio maritalis ,
sua ausência ou presença não consubstancia fator decisivo ao
reconhecimento da citada entidade familiar, devendo encontrar-se
presentes, necessariamente, outros relevantes elementos que denotem o
imprescindível intuito de constituir uma família;
De plano, consigna-se que, nos
termos do 1.793 do Código Civil, para a configuração da união estável, a relação deve apresentar-se
duradoura, contínua e pública, partilhando os conviventes de vida comum
finalidade consistente na intenção de formar uma entidade familiar - affectio
maritalis e animus uxoris -(exteriorizada pela comunhão de esforços; pela assistência; pela posse do
estado de casado; pela lealdade, respeito mútuos; pela guarda, sustento e
educação dos filhos, entre outros).
A relação mantida entre a
ora recorrente, F. F. e o de cujus, L., no período em que
mantiveram relacionamento afetivo, não
ensejou a constituição de entidade familiar, na modalidade união estável.
Não consubstanciou entidade familiar, na modalidade união estável, não
ultrapassando, na verdade, do estágio de namoro, que se estreitou,
tão-somente, em razão da doença que acometeu L.
Além de inexistir entre eles coabitação (sendo certo, inclusive, que L. morava na
companhia de seu irmão e de mais três amigos, numa espécie de "República", própria
da idade), desfrutavam de um relacionamento "aberto", sem
compromisso, tanto que tinham, cada qual,
paralelamente, outros
relacionamentos, faziam
viagens que não
compartilhavam entre si,
sequer quanto à finalidade destas, etc.
Por outro
lado, afirmou que quase sempre que entrava nos Estados Unidos
da América, declarava na Alfândega como seu endereço, a
residência da irmã, realizando a mesma declaração
quando da licença para dirigir (vide fls. 1140). Destacou que Leandro, ia,
às vezes, a Ilhas do Caribe, sozinho ou acompanhado do pai, mas não sabe
para onde o mesmo ia (vide fls. 1140). Afirmou que sabia da existência de
outras namoradas de Leandro (vide fls. 1140). Por fim, declarou não
saber se Leandro em 1998 tinha outra namorada, não reconhecendo
a mulher da foto de fls. 763. [...] Tal situação foi confirmada pela testemunha Paulo (fls. 1195/1197) [...]
O que se tem é que a
autora e o falecido Leandro eram sim
namorados, mas com condutas próprias e
características de pessoas descompromissadas na flor dos vinte e cinco
anos de idade e sem qualquer intenção de constituir família
O que a prova revela induvidosamente, em seu
conjunto e no próprio depoimento da autora, é que o modo como viviam em Miami não indicava nem início de união estável, mas de um namoro que não impedia a Leandro, com o conhecimento
da autora, outras viagens e outros relacionamentos, furtivos ou não, que eram
sempre realizados em avião da própria família. A prova testemunhal
e documental em seu conjunto harmônico não deixa dúvida de que, por
incompatível, nada no relacionamento
permitia supor uma relação destinada à constituição de família e com
características próprias de quem vive como se casado fosse.
[...]". (fls. 1735/1737).
Não se infere do comportamento destes, tal como delineado, qualquer
projeção no meio social de que a relação por eles vivida conservava
contornos (sequer resquícios, na verdade), de uma entidade familiar. Não se pode compreender como entidade
familiar uma relação em que não se denota posse do estado de casado, qualquer comunhão de esforços,
solidariedade, lealdade (conceito que abrange "franqueza,
consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade" , ut REsp
1.157.273/RN, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 07/06/2010), além do exíguo
tempo, o qual também não se pode reputar de duradouro, tampouco,
de contínuo.
"[...] É verdade, e
nova correção do digno Magistrado sentenciante ao separar os dois momentos
distintos da relação havida entre L. e F., que o namora reconhecido pelas
circunstâncias já descritas sofreu modificação significativa a partir do
momento em que se descobriu nele o câncer que vira a tirar-lhe a vida em
menos de um ano e meio. A partir desse triste fato, é forçoso convir, o namoro,
que até poderia terminar por força do longo tratamento a que L.
se submeteria no Brasil, acabou se estreitando com o
louvável acompanhamento de F., inclusive com aceitação da família que
a acolheu com carinho pela sua demonstração de afeto ao filho gravemente
doente e com pouca ou nenhuma chance de sobrevivência. A análise que se
faz da prova não permite supor que a autora fosse enfermeira ou
acompanhante. Não, a prova mostra com segurança que continuou sendo a
namorada de L., e que, acolhida pela família dele em virtude da dedicação
demonstrada, participou praticamente de todo o tratamento até que sobreveio a morte.
A prova não revela união estável que já não existia anteriormente à doença, mas
a aceitação da família a que a namorada dedicada participasse da luta que
se travou no combate ao câncer mortal que, em ano e meio, ceifou a
vida de L. aos 27 anos de idade. O que não se poderia, nem se pode, pela
simples e boa razão de que a prova em seu conjunto não o permite,
é considerar que o namoro de ambos, iniciado antes do conhecimento da
doença, em Miami, pudesse, a partir, da doença e da dedicação da autora,
se transformar em união estável. De tudo quanto se logrou comprovar nos
nove volumes que formam este processo é inevitável concluir que, antes da
doença de Leandro, houve um namoro sem qualquer intuito de constituição de família, o qual, apesar de
prosseguir até de forma mais estreita durante todo o tratamento da doença
e até a sua morte, inclusive com o conhecimento e a aprovação da família,
continuou sendo um namoro, mas sem que se transformasse numa união estável
que nunca existiu. Não se saberá nunca se seria diferente e se o
namoro se transformaria em união estável ou casamento caso L. não
tivesse morrido. Mas se sabe, com a certeza que emana da prova e do comportamento
dele no ano que durou o tratamento até sua morte, que não teve nenhuma intenção
de transformar a namorada em sua mulher ou companheira. Era livre, estava
lúcido e sabia que dificilmente escaparia da morte. Poderia ter-se casada
formalmente com a autora, ou declarado expressamente a união estável que a autora
agora persegue judicialmente, bem como poderia ter feito um testamento para
incluí-la na herança de seus bens. Nada disso fez apesar da dedicação e do
carinho demonstrados pela namorada durante a sua doença, a revelar,
indubitavelmente, que não pretendeu transformar o namoro em qualquer tipo
de entidade familiar assemelhado ao casamento ou à verdadeira união
estável. [...]. Nem a união estável se chega, no caso, pela natural
colheita de sêmen de L. Antes de tudo, se o objetivo fosse a utilização na
autora nada impedia, antes recomendava, que isso fosse
declarado expressamente para evitar dúvida. Além disso, o que houve
mesmo foi a comum colheita de sêmen destinada ao uso futuro em caso
de sobrevivência, sabido que é da infertilidade que em regra ocorre
a todos que se submetem ao tratamento quimioterápico. Dessa
atitude inerente a todos que se tratam com quimioterapia não se pode tirar
a ilação de que a pretensão estava vinculada a ter um filho com
a autora, sobrevivendo ou não, menos ainda quando não há manifestação
de vontade e a prova oral afasta qualquer ligação do fato com o
relacionamento que mantinha com a namorada. E não é porque a mãe de L.
acompanhou a autora no Dr. Roger, ginecologista, que se pode tirar a
conclusão de que a colheita do sêmen se deu para a autora e isso porque
fosse sua companheira. Enfim, nem antes da doença, nem depois, houve união
estável entre L. e F."(fls. 1732/1742).
De acordo com a
moldura fática assim delineada pelas Instâncias ordinárias, é de se
reconhecer a inviabilidade de se qualificar a relação vivida entre a ora
recorrente, F. F., e L., de união estável.
Como é de sabença, nos termos do artigo 1º da
Lei n. 9.278/96, não constitui
requisito legal, para a configuração da união estável, a presença
de coabitação entre os companheiros. Na verdade, ainda que a habitação
comum revele um indício caracterizador da affectio maritalis ,
sua ausência ou presença não consubstancia fator decisivo ao
reconhecimento da citada entidade familiar, devendo encontrar-se
presentes, necessariamente, outros relevantes
elementos que denotem o imprescindível intuito de
constituir uma família.
Na hipótese dos
autos, a coabitação, reconhecida nesse segundo momento da relação vivida entre
a ora recorrente e L. (final de 1999 e julho de 2001), deu-se no imóvel e
na companhia do pai de L. (viabilizada, tão-somente, pela privilegiada situação
financeira deste), tendo por objetivo exclusivo, é certo, propiciar
melhores condições (emocionais) para o tratamento de L.
Efetivamente, a dedicação e a solidariedade prestadas pela ora recorrente
ao namorado L., ponto incontroverso nos autos, por si só, não tem o condão de transmudar a relação de namoro para
a de união estável, assim compreendida
como unidade familiar. Revela-se imprescindível, para tanto,
a presença inequívoca do intuito de constituir uma família, de ambas as partes, desiderato, contudo, que não se infere das
condutas e dos comportamentos exteriorizados por L., bem como pela própria
recorrente, devidamente delineados pelas Instâncias ordinárias.
1. A união estável tratada na Constituição Federal, bem como na legislação
infraconstitucional, não é qualquer união com certa duração existente entre duas pessoas, mas somente aquela com a finalidade de
constituir família. Trata-se de união qualificada por estabilidade e propósito familiar, decorrente de mútua vontade dos conviventes, demonstrada por atitudes e comportamentos que
se exteriorizam, com projeção no meio social.
2. Na hipótese, a Corte de origem negou o
pedido de reconhecimento de união estável por entender que, de
acordo com as provas dos autos, não estava configurada, pois ausentes,
dentre outros requisitos, a intenção de constituir família, a fidelidade,
bem como a coabitação.
Como assinalado, a dedicação e a solidariedade prestada pela recorrente à L., por si só, não converte a relação de namoro por eles encampada em
união estável. Sequer rendem
ensejo a qualquer reparação, notadamente porque o desvelo com
que acompanhou L. em seu tratamento deu-se, conforme alegado, de forma
espontânea, desinteressada e generosa. Ainda assim, teve, por parte da família de L., o reconhecimento,
não menos generoso, de seu valoroso proceder.
REsp 1.257.819 / SP JULGADO:
01/12/2011 RECURSO ESPECIAL Nº 1.257.819 - SP
(2011/0097589-1)
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